" Do critério formal
O serviço de praticagem está subordinado a um regime jurídico híbrido sui
generis. Trata-se, a princípio, de atividade desempenhada em regime jurídico de
direito privado altamente relativizado pela obrigatória subordinação a um
elevadíssimo grau de regulamentação e controle estatal, motivado pelo fato de a
atividade ser considerada “essencial” pela Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário,
em virtude de destinar-se à proteção de amplo rol de bens jurídicos citados
anteriormente, quando do estudo do critério material. Cabe averiguar, entretanto, se
há prevalência ente um destes dois regimes, ou seja, se de fato procede a afirmação
tecida no início deste raciocínio, a respeito de um regime jurídico de direito privado
sujeito à intensa regulamentação estatal, ou se a intensidade deste controle é capaz
de subverter a ordem dos fatores, possibilitando-se cogitar de um regime jurídico de
direito público dotado de algumas flexibilizações pontuais em prol de um regime
jurídico de direito privado.
A primeira evidência do controle estatal é a restrição de acesso à carreira,
garantido apenas aos que lograrem aprovação em processo seletivo,308 realizado em
moldes, em muito semelhantes à disciplina dos concursos públicos, que se prestam
a regulamentar a contratação de servidores, empregados públicos e membros dos
Poderes Judiciários e Ministérios Públicos (federal e estaduais). Além de requisitos
“padrão” como nacionalidade, idade mínima e graduação em nível superior, o
dos serviços diz respeito, também aos outros critérios qualificadores da noção de serviço público
presentes neste capítulo, a saber, critério formal, pois denota a evidente peculiaridade do regime
jurídico a que estão submetidos os serviços de praticagem, que em muito se distancia do regime
jurídico de direito privado puro; e também no que diz respeito ao critério subjetivo, uma vez que
a retirada da autonomia do prático quanto à possibilidade de escolher seus clientes, mesmo em
situação que já possua dívidas não quitadas, evidencia, como se pretende comprovar em tópico
seguinte, que a titularidade dos serviços pertence ao estado, e não aos Práticos, meros
delegatários.
308 O primeiro ponto digno de nota é a denominação recebida pelo certame, que não se trata de
concurso público, mas sim de mero processo seletivo, demonstrando que, ao menos
formalmente, não se pretende conferir à praticagem tratamento similar ao dos serviços públicos.
112
processo seletivo exige do candidato a prévia qualificação como aquaviário
profissional ou amador, em níveis específicos.309
Após a aprovação no processo seletivo, tendo recebido a Habilitação de
Praticante e Prático, o candidato deve se submeter a longo período de treinamento,
estabelecido pela Capitania dos Portos com jurisdição sobre a Zona de Praticagem,
com duração mínima de 12 e máxima de 15 meses, para que finalmente possa
prestar o exame de habilitação para prático perante banca composta pelo Capitão
dos Portos, por um prático da respectiva ZP e por um Comandante de Longo Curso
da Marinha Mercante, que poderá ser substituído por um Oficial Superior, da ativa ou
da reserva remunerada, do Quadro de Oficiais da Armada da Marinha do Brasil.
Aspecto revelador do regime jurídico a que se submete o serviço de
praticagem diz respeito às consequências geradas pela combinação do parágrafo 2º
do artigo 13 e do artigo 14 caput e parágrafo único, inciso I, da Lei 9537/97, que
determinam respectivamente que “A manutenção da habilitação do prático depende
do cumprimento da frequência mínima de manobras estabelecida pela autoridade
marítima”, que “o serviço de praticagem, considerado atividade essencial, deve estar
permanentemente disponível nas zonas de praticagem estabelecidas” e que “Para
assegurar o disposto no caput deste artigo, a autoridade marítima poderá:
I - estabelecer o número de práticos necessário para cada zona de praticagem”.310
Com o objetivo de operacionalizar estes parâmetros impostos pela lei, e ainda em
consonância com as recomendações da International Maritime Pilots' Association, a
NORMAM-12 determina, em seu item 0226, implementação para cada uma das
Zonas de Praticagem, de escala de rodízio única de serviço de prático.311
309 De acordo com o item 0212 da NORMAM-12, para poder concorrer no certame, o candidato
deve: “Ser aquaviário da seção de convés ou de máquinas e de nível igual ou superior a 4
(quatro), Prático ou Praticante de Prático até data estabelecida no Edital; ou pertencer ao Grupo
de Amadores, no mínimo na categoria de Mestre-Amador, até a data de encerramento das
inscrições, inclusive conforme a correspondência com as categorias profissionais estabelecida
nas “Normas da Autoridade Marítima para Amadores, Embarcações de Esporte e/ou Recreio e
para Cadastramento e Funcionamento das Marinas, Clubes e Entidades Desportivas Náuticas
(NORMAM-03/DPC)”. Tal requisito garante, por si só, que o candidato possua um razoável grau
de familiaridade com atividades correlatas à navegação marítima,.
310 Estes parâmetros obedecem a princípios básicos elencados pela International Maritime Pilots'
Association como recomendáveis a qualquer regime regulatório de serviços de praticagem.
Disponível em: . Acesso em 25/07/2015.
311 Normas da Autoridade Marítima para o Serviço de Praticagem – NORMAM-12/DPC: “0226 -
ESCALA DE RODÍZIO ÚNICA DE SERVIÇO DE PRÁTICO a) É estabelecida especificamente
para cada ZP e inclui todos os Práticos habilitados e aptos em atividade na ZP,
independentemente da sua forma de atuação, por meio da qual os Práticos são divididos,
obrigatoriamente, entre os seguintes grupos: 1) Práticos em Período de Escala; 2) Práticos em
Período de Repouso; e 3) Práticos em Período de Férias. b) Essa escala visa garantir a
disponibilidade ininterrupta do Serviço de Praticagem e evitar a fadiga do Prático na execução
113
A Conjunção destes fatores supracitados, que tem o objetivo primordial de
incrementar a segurança das operações portuárias através de metodologia que
permita o exercício constante e igualitário das habilidades de cada um dos Práticos
lotados numa determinada Zona de Praticagem, sem que precisem se preocupar
com questões de cunho meramente negocial, acaba por gerar uma espécie de
monopólio jurídico, impeditivo da implementação de um mercado concorrencial, uma
vez que a contratação dos serviços é obrigatória e não há possibilidade de escolha,
por parte do contratante, do profissional que lhe prestará serviço, em virtude da
incontornável necessidade de obediência à escala elaborada pela Autoridade
Marítima.312
O aspecto monopolístico dos serviços de praticagem sempre foi fonte de
polêmica, tando no Brasil quanto no restante do mundo, notadamente deflagrada por
grandes empresas de frete marítimo e armadores, uma vez que existe a tendência
destes players preocuparem-se predominantemente com o incremento de sua
margem de lucro em detrimento de questões referentes à soberania e à preservação
econômica e ambiental das nações onde operam.313
das fainas de praticagem. Adicionalmente, contribui para a manutenção da habilitação do
Prático. c) Período de Escala é o número de horas ou de dias consecutivos durante os quais o
Prático está à disposição para ser requisitado a realizar fainas de praticagem. Esse período é
subdividido em Período de Serviço e Período de Sobreaviso. 1) Período de Serviço é aquele,
dentro do Período de Escala, durante o qual o Prático está efetivamente em faina de praticagem.
A faina de praticagem começa a ser contada, em termos de tempo, a partir do início do
deslocamento da embarcação com o Prático a bordo. O tempo de espera do Prático a bordo, por
qualquer motivo, desde que devidamente acomodado, será considerado sobreaviso (Prático à
disposição do Armador, a bordo). 2) Período de Sobreaviso é aquele, dentro do Período de
Escala, durante o qual o Prático não está atuando efetivamente em fainas de praticagem, porém
está à disposição para ser requisitado. Na faina de praticagem de longa duração, o período de
descanso do Prático, por motivo de revezamento, também é considerado Período de
Sobreaviso. d) Período de Repouso é o período de tempo ininterrupto, que antecede ou sucede
a um Período de Escala, durante o qual o Prático não está disponível para ser requisitado a
realizar faina de praticagem, a não ser em caso de emergência ou na situação em que há risco
para a vida humana. e) Período de Férias é o período, nunca inferior a trinta dias em cada ano,
dos quais pelo menos quinze dias consecutivos, durante o qual o Prático não está disponível
para ser requisitado a realizar faina de praticagem em quaisquer circunstâncias”.
312 Estudo realizado pela Danish Maritime Pilots Association, com o objetivo de determinar
possibilidades de mudança no cenário de praticagem do Mar Báltico, uma das regiões de tráfego
marítimo mais intenso do mundo, chegou à conclusão, após analisar a experiência internacional
com a implementação de livre concorrência nos serviços de praticagem de diversas nações, que
a desregulamentação e implementação de mercados concorrenciais nos serviços de praticagem,
via de regra, mostrou-se diretamente atrelada a um incremento no número de acidentes
portuários graves. Disponível em: .
Acesso em 24/07/2015.
313 Em 2005, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE reconheceu, em parecer
decorrente de Processo Administrativo para apuração de possível prática, pela Associação dos
Práticos do Estado do Paraná – APEP, de infrações à ordem econômica, consistentes em limitar,
falsear ou de qualquer forma, prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa, aumentar
arbitrariamente os lucros e exercer de forma abusiva posição dominante, que as peculiaridades
inerentes ao regime jurídico ao qual o serviço de praticagem esta submetido, inviabiliza a
114
Importante ressaltar que não é a formação do monopólio da praticagem que
conduz ao incremento da segurança nas atividades portuárias. Este, na verdade, é
um inevitável efeito colateral da política implementada pela Autoridade Portuária, em
consonância com os preceitos ditados pela International Maritime Organization e a
International Maritime Pilots' Association. Ocorre que a rígida imposição de limite
quantitativo de profissionais habilitados a trabalhar numa determinada área
portuária,314 aliada à necessidade de estrita obediência à escala de rodízio
implementada pela Autoridade Marítima, tem o objetivo de permitir o acesso
igualitário dos Práticos às “fainas de praticagem”, ao longo de todo o ano, garantindo
o seu constante exercício, contato com a dinâmica geográfica local e, por
consequência, permitindo uma otimização da capacidade destes profissionais no
gerenciamento dos riscos que, em sua atividade de assessoria, se destinam e
amenizar.
Esta formação artificial de um monopólio que, por suas peculiaridades,
inviabiliza a sujeição das atividades de praticagem às “regras de mercado”, talvez
seja o elemento mais marcante do setor, e acaba por mitigar fortemente uma das
poucas características que poderiam levar à suposição de submissão das atividades
ao regime jurídico de direito privado, representada pela possibilidade de livre
caracterização da atuação monopolística das empresas de praticagem como infracional à ordem
econômica. Segundo o Parecer: “Mediante a análise dos autos, observa-se que as condutas
imputadas a Representada possuem como causas diretas a autorização legislativa do ente
regulador do mercado em análise, o que por si só, relativiza de sobremaneira a possibilidade de
tipicidade e consequente subsunção dos atos praticados à fattispecie punível da Lei Antitruste,
ficando caracterizado o estrito cumprimento do dever legal”. BRASIL. Conselho Administrativo de
Defesa Econômica – CADE. Processo Administrativo nº 08012.006144/1999-19. Parecer CADE
nº 485/2005. Nancy de Abreu. Procuradora Federal do CADE.
314 A limitação imposta pela Autoridade Marítima diz respeito à quantidade de profissionais
habilitados, e não à quantidade de possíveis associações formadas por estes Práticos, desde
que respeitado o quantitativo máximo de Práticos por Zona de Praticagem, estipulado com base
no histórico de movimentação daquela ZP, do tempo necessário para a realização das manobras
e, evidentemente, levando em consideração a quantidade de profissionais atuando a cada turno,
a fim de garantir a continuidade de prestação dos serviços. Ainda no que diz respeito à
quantidade de associações, a experiência prática demonstra que, via de regra, à exceção de
Zonas de Praticagem com um número expressivo de Práticos lotados, como é o caso da ZP-1,
que em virtude de peculiaridades locais (navegação em trecho extenso do rio Amazonas onde o
prático pode permanecer por mais de três dias embarcado) possui um número
desproporcionalmente maior de vagas do que as demais, os Práticos organizam-se em apenas
uma ou duas associações, a fim de garantir uma economia de escala no que diz respeito à
manutenção da estrutura de apoio (atalaia) e das embarcações que utilizam para o desempenho
de suas atividades (lanças de prático). Nada impede, contudo, que o prático opte por tramalhar
de forma completamente autônoma, porém, esta possibilidade resta praticamente inviabilizada
em vista dos expressivos custos operacionais necessários para o desenvolvimento dos serviços.
Uma terceira hipótese, representada pela permissão de contratação do prático por empresa
especializada, também se mostra inviabilizada, desta vez, pela “cultura” do setor onde, via de
regra, os profissionais que concluem com sucesso o programa de Praticante de Prático e logram
êxito na habilitação para Prático, são convidados a se associar às associações preexistentes.
115
organização e atuação dentro dos limites legais, bem como da formação de preços
capazes de aliar o custeio das atividades à competitividade mercadológica. Ocorre
que, como não há concorrência entre os prestadores dos serviços e a demanda é
altamente inelástica, uma vez que são obrigados por lei à contratação dos serviços
dentro do estrito mercado disponível, os tomadores, querendo atracar em portos
brasileiros, devem se sujeitar aos preços impostos pelos Práticos, acusados, muitas
vezes, de cobrarem preços exorbitantes, valendo-se de sua “posição privilegiada”.315
Ressalte-se que, prevendo os reflexos mercadológicos do peculiar regime
jurídico imposto aos serviços de praticagem, a Lei 9.537/97, em seu artigo 14
determina que: “O serviço de praticagem, considerado atividade essencial, deve
estar permanentemente disponível nas zonas de praticagem estabelecidas.
Parágrafo único. Para assegurar o disposto no caput deste artigo, a autoridade
marítima poderá: (…) II - fixar o preço do serviço em cada zona de praticagem”. Esta
possibilidade de controle foi regulamentada pelo item 501 da NORMAM-12, 316 que
instituiu mecanismos que, por algum tempo, foram a única forma de controle dos
preços cobrados. A Autoridade Marítima, no exercício destas atribuições, atua como
mediadora em processos de fixação de preços nos quais as partes (Práticos e
armadores) não tivessem chegado a um consenso.317
315 A respeito dos custos cobrados pelo serviço de praticagem brasileiro, estudo da Fundação
Getúlio Vargas aponta para o fato de que, via de regra, os valores nacionais mostram-se
similares aos de praticamente todos as grandes economias ocidentais. Para obter informações
técnicas a respeito dos valores cobrados pelo serviço de praticagem, a leitura do relatório
elaborado pela FGV é altamente recomendável, ainda que tenha sido elaborado com base em
estudo encomendado pelos representantes da praticagem de Santos-SP, característica que
presume-se irrelevante, em virtude da credibilidade da instituição de pesquisa. Fundação Getúlio
Vargas. Análise da Competitividade Internacionals dos Valores Cobrados pelos Serviços
de Praticagem no Porto de Santos. FGV, Rio de Janeiro, 2009. Disponível em:
. Acesso em 20 de março de 2015.
316 A respeito do controle de preços, a NORMAM-12 determina que: “a) Para assegurar a
permanente disponibilidade do Serviço de Praticagem, que é uma atividade essencial, a DPC
poderá fixar os preços dos Serviços nos casos em que não houver acordo entre tomador e
prestador. b) Para a fixação dos preços, o DPC instituirá uma Comissão para elaborar o estudo
para cada caso específico. c) Durante o desenvolvimento do trabalho, a Comissão buscará
sempre um acordo entre as partes. Não obtido, instruirá o processo administrativo interno, não
contencioso e, ao final, emitirá um relatório circunstanciado que deverá conter as sugestões dos
preços a serem fixados, para decisão final do DPC. d) Os preços fixados pelo DPC terão caráter
temporário, não se aplicando aos acordos em vigor ou que venham a ser estabelecidos. Não se
pretende substituir as partes no estabelecimento dos preços a serem praticados, mas tão
somente garantir a prestação ininterrupta do Serviço de Praticagem, devendo as partes
buscarem um acordo quanto aos preços considerados satisfatórios para ambas. e) O DPC
poderá, ainda, instituir uma Comissão para discussão dos assuntos afetos aos preços dos
Serviços de Praticagem, buscando o aperfeiçoamento da sistemática empregada na fixação
desses preços, sempre com vistas a garantir a segurança da navegação. Para esta Comissão, a
critério do DPC, poderão ser convidados representantes de setores envolvidos”.
317 A síntese da atuação da Autoridade Marítima em processos de fixação de preços pode encontrase
disponível em:
116
Em 2012, cedendo às pressões das grandes empresas de transporte
marítimo, sob o argumento de que os supostamente exorbitantes valores cobrados
pela praticagem brasileira interferiam no chamado “custo Brasil”,318 podendo levar a
impactos negativos para a economia nacional, o Governo Federal criou, através do
Decreto nº 7.860/2012, a Comissão Nacional para Assuntos da Praticagem - CNAP,
representado pela Autoridade Marítima (que a preside), Secretaria de Portos da
Presidência da República (SEP-PR), Ministério da Fazenda, Ministério dos
Transportes e Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ). Os objetivos
da CNAP, segundo se depreende da dicção do seu decreto instituidor são: “(...)
estabelecer: I - metodologia de regulação de preços do serviço de praticagem;319
II - preços máximos do serviço de praticagem em cada Zona de Praticagem;
III - medidas para o aperfeiçoamento da regulação do serviço de praticagem em
cada Zona de Praticagem; e IV - abrangência de cada Zona de Praticagem”. A
Criação da CNAP, contudo, não retira a competência da Autoridade Marítima para a
fixação de preços em caso nos casos nos quais não haja consenso entre as partes,
conforme o art. 14 da Lei de Segurança do Tráfego Nacional, servindo apenas como
instrumento para subsidiar a sua atuação,320 ainda que mediante a mitigação de sua
. Acesso em
24/07/2015. Depreende-se dos dados disponibilizados pela Diretoria de Portos e Costas, que o
último processo em que a Autoridade Marítima efetivamente agiu impositivamente na fixação dos
preços foi em 2011, resultando na Portaria 237/DPC/2011, disponível em:
. Acesso em 24/07/2015, onde
foram fixados arbitrariamente os preços a serem cobrados pela Praticagem S/S LTDA. à
Petróleo Brasileiro S.S. LTDA, para manobras realizadas na ZP-16 (Santos e São Sebastião).
318 Sobre a pressão dos armadores internacionais por uma desregulamentação tendenciosa dos
serviços de praticagem, recomenda-se a leitura do artigo “Omissões de portos, THC e
praticagem: Somos bobos?”, publicado no site “Usuários dos Portos do Rio de Janeiro”.
Disponível em: .
Acesso em 11/07/2015.
319 A metodologia de regulação proposta pela Comissão Nacional para assuntos de Praticagem
encontra-se disponível em:
. Acesso
em 28/07/2015.
320 A legalidade da atuação subsidiária da Comissão Nacional para Assuntos de Praticagem é
reconhecida pelo Judiciário Federal, como se depreende da decisão em Apelação Civel na qual
questionava-se esta legitimidade: “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO EM
MANDADO DE SEGURANÇA. DECISÃO MONOCRÁTICA DO RELATOR. AGRAVO INTERNO.
PRATICAGEM. REAJUSTE DE PREÇOS. ESTUDOS DA COMISSÃO NACIONAL PARA
ASSUNTOS DE PRATICAGEM. MANUTENÇÃO DOS PREÇOS ANTERIORES. INEXISTÊNCIA
DE COMPROVAÇÃO DO DIREITO LÍQUIDO E CERTO E DA ILEGALIDADE DO ATO
APONTADO COMO COATOR. I- No caso vertente, a Impetrante não demonstrou a existência de
direito líquido e certo a ser amparado pelo Poder Judiciário, não demonstrando, tampouco, a
ilegalidade ou abuso de poder do ato administrativo atacado. II- Com efeito, a Lei nº 9.537/1997,
em seu artigo 14, Parágrafo Único, inciso II, dispõe que a autoridade marítima poderá fixar o
preço do serviço de praticagem, devendo ser compreendida, a expressão "poderá" como um
dever da Administração de assegurar a obrigatoriedade da prestação dos serviços de
praticagem, justamente em casos como o dos autos, em que não haja acordo entre as partes
117
autonomia.321
Independentemente da interpretação judicial a respeito da legitimidade da
Comissão Nacional para Assuntos de Praticagem no que diz respeito à imposição de
preços máximos, a simples e inequívoca atribuição da Autoridade marítima no
sentido de decidir, de forma arbitral, os casos em que não haja consenso entre os
contratantes a respeito dos preços, demonstra, novamente, a peculiaridade do setor
e o inevitável afastamento da aplicabilidade do regime jurídico de direito privado às
envolvidas na negociação, tendo em vista a essencialidade do referido serviço. III- O ato
apontado como coator apenas cuidou de esclarecer que, até a conclusão dos estudos da
Comissão Nacional para Assuntos de Praticagem, instituída exatamente para amparar
tecnicamente as decisões a serem tomadas pela Autoridade Marítima, não haveria como
promover o reajuste requerido, não se verificando, aí, qualquer ilegalidade. IV- Não há qualquer
prova nos autos que infirme a manifestação da aludida Comissão pela manutenção dos preços
fixados anteriormente, mormente se considerarmos que referidos estudos, ao que tudo indica,
foram recentemente concluídos, tendo sido aprovada nova metodologia de regulação de preços
do serviço de praticagem, através da Resolução nº 3, de 23 de setembro de 2013 (DOU de
25/09/2013, nº 186, Seção 1, pág. 62). V- Também não há nos autos prova pré-constituída de
que a negativa do reajuste pleiteado pela Impetrante venha, efetivamente, comprometendo a
sua adequada remuneração pelo serviço prestado. VI- Não pode o Poder Judiciário substituir a
Administração Pública para determinar a adoção de determinada sistemática de atualização de
preços do serviço de praticagem, área estratégica para a economia do país, posto que
intimamente ligada ao transporte marítimo nacional e internacional, quando a própria
Administração entende que, para tanto, são necessários estudos complexos para aferir-se a
melhor metodologia de regulação de tais preços, através de uma Comissão especialmente
constituída para este fim. VII- Em que pese a relevância dos argumentos da recorrente, a
comprovação de suas alegações quanto à existência do direito vindicado e quanto à ilegalidade
do ato apontado como coator não prescinde de dilação probatória e esta é incompatível com a
estreita via do mandamus. VIII- Agravo Interno improvido”. BRASIL. Tribunal Regional Federal –
Segunda Região. Apelação Civel 612203. Relator Desembargador Federal Reis Friede. Julgado
em 05.02.2014, publicado em 18.02.2014.
321 Em contraposição a este entendimento, diversas associações de práticos insurgiram-se contra a
atuação da CNAP, no sentido de estipular preços máximos a serem cobrados pelos serviços,
sendo bem sucedidas em diversos de seus pleitos, a exemplo do Mandado de Segurança
impetrado pelo Sindicado dos Práticos do Estado do Paraná, cuja decisão, apensar de longa,
merece citação ampla, uma vez que representa o teor de muitas das decisões judiciais que, até
o presente momento, inviabilizaram a aplicabilidade da tentativa de imposição de
regulamentação mercadológica para o setor: “SINDICATO DOS PRÁTICOS DOS PORTOS E
TERMINAIS MARÍTIMOS DO ESTADO DO PARANÁ impetra mandado de segurança
preventivo, com pedido de liminar, contra ato a ser praticado pelo DIRETOR DE PORTOS E
COSTAS DA MARINHA DO BRASIL, consistente no tabelamento de preços dos serviços de
praticagem. Como causa de pedir, alega que esse tabelamento é iminente e que violaria direito
líquido e certo de convencionarem livremente os preços junto aos armadores de navios, violando
os princípios constitucionais da livre iniciativa e da reserva de lei. Aduz que o serviço de
praticagem, na forma da Lei nº 9.537/1997, é atividade essencial, executada por práticos
devidamente habilitados, e que “é assegurado a todo prático, na forma prevista no caput deste
artigo, o livre exercício do serviço de praticagem” (§3º, art. 13, Lei nº 9.537/1997). Em
decorrência da essencialidade, afirma que a lei confere à autoridade marítima a prerrogativa de
fixar preços, mas apenas com a finalidade de assegurar a disponibilidade permanente do
serviço, se e na medida em que esta disponibilidade estiver em risco (art. 14, Lei nº 9.537/1997).
Relata que, apesar de o Decreto nº 2.596/1998 regular satisfatoriamente a matéria, o Decreto
7.860/2012 alterou substancialmente sua disciplina, criando a Comissão Nacional para Assuntos
de Praticagem que, entre suas atribuições, deveria propor “preços máximos do serviço de
praticagem em cada Zona de Praticagem” (art. 1º, II, Decreto nº 2.596/1998) – o que violaria o
princípio da reserva de lei, uma vez que esta só autoriza a fixação de preços com o fito
118
atividades referentes à praticagem, uma vez que, mediante o impasse gerado pela
obrigatoriedade de contratação dos serviços, que são inevitavelmente fornecidos
sob a aforma de monopólio, a Autoridade Marítima atua como verdadeira
representante estatal, de forma muito similar às agências reguladoras, apesar de
formalmente, evidentemente, não haver nenhuma possibilidade de classificá-la como
tal.322
Uma vez esgotada a discussão a respeito das polêmicas questões referentes
específico de assegurar a permanência da prestação do serviço de praticagem. Nesse contexto,
afirma que as atividades da referida Comissão tiveram início nos primeiros meses de 2014,
seguindo-se uma série de atos tendentes à fixação de preços máximos do serviço de
praticagem, fixação essa que esta ação mandamental visa prevenir. Inicial às fls. 1/22,
acompanhada dos documentos às fls. 23/297. Custas recolhidas às fls. 24. Petição e
documentos do Impetrante às fls. 302/309. É o relato do necessário. Insurge-se preventivamente
a associação impetrante contra a possibilidade de a Comissão Nacional para Assuntos de
Praticagem, no exercício do que dispõe o art. 1º, II, do Decreto 7860/2012, fixar “preços
máximos do serviço de praticagem em cada zona de praticagem”, ao fundamento de que o
decreto exacerba seu poder regulamentar da Lei 9537/1997. Conforme o art. 7º, III, da Lei
12016/2009, havendo fundamento relevante e justo receio de ineficácia da medida final, o juiz
pode determinar a suspensão do ato que deu motivo ao pedido mandamental. Entendo ser este
o caso tratado nos presentes autos. A Lei 9537/1997, em seu art. 14, dispõe ser o serviço de
praticagem considerado atividade essencial, e seu parágrafo único admite que, para assegurar o
disposto no caput do artigo, ou seja, a condição essencial do serviço de praticagem e sua
presença permanentemente disponível nas zonas estabelecidas, a autoridade marítima pode
“fixar o preço do serviço em cada zona de praticagem” (art. 14, p.u., II). Por sua vez, o Decreto
7860/2012 prevê, dentre as atribuições da comissão nacional que cria, a fixação de preços
máximos para cada zona de praticagem. Verifica-se que a norma trazida pelo decreto não
reproduz a exceção prevista na lei que rege a matéria, alargando autonomamente uma restrição
a atividade econômica desenvolvida pelos práticos. Vale dizer, se a lei admite a restrição aos
preços com fixação de patamares máximos, o faz para garantir a continuidade de uma atividade
considerada essencial, ao passo que o decreto não prevê a possibilidade de tabelamento de
preços adstrita a esta hipótese. Via de regra, a lei deveria prever genericamente hipóteses de
restrição e o seu decreto regulamentar especificamente cada caso. Mas aqui é o contrário que
ocorre: a lei é específica quando trata da restrição ao livre ajustamento de preços, e o decreto é
genérico ao permitir a fixação de preços máximos. Se a todo prático é assegurado o livre
exercício do serviço de praticagem (Lei 9537/1997, art. 13, §3º), apenas nos expressos casos
legalmente previstos é que poderá incidir uma restrição sobre a liberdade de negociação entre
particulares. Embora seja público e notório que a remuneração por este tipo de serviço alcança
valores elevadíssimos, a imposição de limites demanda prévio debate público e exige, por força
do princípio da legalidade, o veículo específico para tanto, ou seja, deve ser prevista em lei, e
não numa previsão genérica contida em ato editado unilateralmente pelo Poder Executivo. O
risco de ineficácia da medida também resta evidenciado na medida em que a imediata
imposição do tabelamento dos preços de praticagem teria efeitos desde logo, impedindo que, na
hipótese de procedência do pedido com concessão da segurança, os associados da impetrante
obtivessem a complementação dos preços livremente praticados e eventualmente glosados por
força de tabela de preços máximos. Pelo exposto, ao menos neste primeiro momento, entendo
presentes os requisitos para a concessão da liminar. Assim sendo, nos termos da
fundamentação acima, DEFIRO A LIMINAR para determinar que a autoridade impetrada se
abstenha de impor limites máximos aos preços da praticagem prestados pelos associados da
impetrante, ressalvando as hipóteses legalmente estabelecidas na Lei 9537/1997, conforme
motivado linhas acima. BRASIL. Justiça Federal – Seção Judiciária do Estado do rio de Janeiro.
Mandado de Segurança nos autos nº 0000646-50.2014.4.02.5101. Juiz Federal da 1ª VF
Raffaele Felice Pirro. Julgado em 03.02.2014, publicado em 15.02.2014.
322 Neste ponto, é importante ressaltar que a atividade de praticagem, conforme visto à exaustão
em todos os tópicos anteriores, subordina-se à Autoridade Marítima. Entretanto, é imprescindível
119
ao processo seletivo e à regulamentação da precificação dos serviços de
praticagem, temas que tem atraído a atenção da mídia e tem sido os assuntos
passíveis de maior judicialização nos últimos anos, cabe verificar os critérios
remanescentes, reveladores do regime jurídico ao qual se submete o setor.
Além de todo o exposto anteriormente, cabe ressaltar que toda a NORMAM-
12, principalmente no que diz respeito aos estritos parâmetros que devem ser
obedecidos para a manutenção da habilitação e às hipóteses de controle disciplinar
administrativo, efetuados pelo representante da Autoridade Marítima, evidencia a
aplicabilidade de um regime jurídico de direito público, em detrimento do privado,
relegado a posição subsidiária. Estes aspectos serão vistos com mais vagar no
tópico seguinte quando, através da tentativa de determinar a titularidade material do
serviço de praticagem, servirão de parâmetro de aferição.
Em síntese, no que diz respeito ao regime jurídico ao qual estão submetidos
os serviços de praticagem, as evidências parecem demonstrar que não se trata de
atividade realizada sob regime jurídico de direito privado mediante a imposição de
rígido controle administrativo, mas sim o inverso, representado por uma peculiar
sujeição ao regime jurídico de direito público, mitigada por “pitadas” de direito
privado, de legitimidade, muitas vezes, questionável.
O estudo do regime jurídico dos serviços de praticagem desperta
perplexidade devido ao fato de representar caso sui generis, a respeito do qual
pairam muitas dúvidas, agravadas pela inexistência de um consenso das três
esferas de governo sobre a forma peculiar com que o serviço de praticagem se
insere no ordenamento jurídico brasileiro.
A fim de contribuir para a elucidação das dúvidas quanto ao regime jurídico
aplicável ao serviço de praticagem, é útil um estudo, ainda que superficialíssimo, de
um dos poucos setores que, apesar de materialmente não guardar qualquer relação
esclarecer que cabe à Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ, autorizar a
operação das empresas ou sociedades de praticagem, ou mesmo dos práticos autônomos (caso
hipotético conforme dito anteriormente), classificados como “empresas brasileiras de navegação
de apoio portuário e marítimo”. Ressalte-se que a “autorização” emitida pela ANTAQ,
evidentemente trata-se de mero ato de polícia administrativa, e não de delegação de serviço
público, uma vez que autorizações do mesmo tipo são emitidas para empresas de rebocadores,
que são classificadas como “de apoio à praticagem” e quaisquer outras empresas de navegação
regularmente constituídas e que atuem no transporte aquaviário. Apenas a título de exemplo, ver
modelo de resolução da ANTAQ que autoriza a atuação de empresa de praticagem, disponível
em: . Acesso
em 24.07.2015. Ainda a respeito da ANTAQ e demais agências reguladoras, recomenda-se
fortemente a leitura da obra de Marçal Justen Filho, apesar da mitigação de sua aplicabilidade
no que diz respeito ao serviço de praticagem. JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências
reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002.
120
com o objeto deste trabalho, possui peculiaridades que os aproxima formalmente.
Trata-se dos serviços notariais e de registro que, apesar de serem atividades
jurídicas, e não materiais,323 possuem regime jurídico que guarda algumas
semelhanças com o da praticagem, e que já recebeu mais atenção, tanto da
doutrina quanto da jurisprudência.
Sobre o tema, cujo estudo é, conforme dito anteriormente, colateral, porém
valiosíssimo para a tentativa de compreensão do regime jurídico aplicável aos
serviços de praticagem, entende-se que a emblemática decisão do Superior Tribunal
de Justiça no Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 7730, ao trazer, em
sua ementa, um consistente estudo legislativo e doutrinário sobre o tema, é
suficiente para elucidar o assunto de forma sintética, daí a sua transcrição literal:
CONSTITUCIONAL. INTERPRETAÇÃO DO ART. 236, PAR. 1., DA CF, E DA LEI
8.935, DE 18.11.1994, ARTS. 22, 28 E 37. 1. O novo sistema nacional de serviços notariais
e registrais imposto pela lei 8.935, de 18.11.1994, com base no art. 236, par. 1., da CF, não
outorgou plena autonomia aos servidores dos chamados oficios extrajudiciais em relação ao
poder judiciário, pelo que continuam submetidos a ampla fiscalização e controle dos seus
serviços pelo referido poder. 2. Os procedimentos notariais e registrais continuam a ser
serviços públicos delegados, com fiscalização em todos os aspectos pelo poder judiciário. 3.
O texto da carta maior impõe que os serviços notariais e de registro sejam executados em
regime de caráter privado, porém, por delegação do poder público, sem que tenha implicado
na ampla transformação pretendida pelos impetrantes, isto e, de terem se transmudados em
serviços públicos concedidos pela união federal, a serem prestados por agentes puramente
privados, sem subordinação a controles de fiscalização e responsabilidades perante o poder
judiciário. 4. A razão desse entendimento esta sustentada nos argumentos seguintes: a)
vinculo-me a corrente doutrinaria que defende a necessidade de se interpretar qualquer
dispositivo constitucional de forma sistêmica, a fim de se evitar a valorização isolada da
norma em destaque e, consequentemente, a sua possível incompatibilidade com os
princípios regedores do ordenamento jurídico construído sob o comando da carta maior
para a entidade ou entidades jurídicas reguladas. b) influenciado por tais posições, o meu
primeiro posicionamento e o de fixar o conceito técnico-juridico da expressão "delegação do
poder publico", que constitui o tema central do debate, haja vista que é o modo institucional
como os serviços notariais e de registro
são, hoje, exercidos no pais. c) o conceito de delegação de serviço publico, apos algumas
variações, está hoje pacificado como sendo a possibilidade do poder publico conferir a outra
pessoa, quer publica ou privada, atribuições que originariamente lhe competem por
determinação legal. d) por a autoridade delegante ter a competência originaria, exclusiva ou
concorrente, do exercício das atribuições fixadas por lei, no momento em que delega, por
para tanto estar autorizado, também, por norma jurídica positiva, estabelece-se uma
subordinação entre as pessoas envolvidas no sistema hierárquico entre o transferidor da
execução do serviço e quem o vai executar, em outras palavras, entre o delegante e o
delegado. e) o dispositivo constitucional em comento, no caso o art. 236, da CF, ao
determinar que os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, porém,
por delegação do poder publico, não descaracterizou a natureza pública de tais serviços,
nem restringiu a forma de sua fiscalização, notadamente porque no par. 1., de forma
expressa, esta dito que "lei regulará as atividades, disciplinara a responsabilidade civil e
criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização
de seus atos pelo poder judiciário. f) a seguir, o legislador constituinte, numa demonstração
inequívoca de que não se afastou do conceito tradicional de delegação de serviço publico,
323 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O serviço Público... Op. Cit.. p. 112.
121
portanto, respeitando, em toda a sua plenitude, o principio da subordinação hierárquica a
existir entre delegante e delegado, dispôs, ainda, que "a lei federal estabelecera normas
gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e
do registro", bem como que "o ingresso na atividade notarial e de registro depende de
concurso publico de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga,
sem abertura de concurso de provimento ou de remoção por mais de seis meses." g) é
evidente que a prestação de serviços notariais e de registro publico no Brasil, apos a
CF/1988, não tomou as características preconizadas pelos impetrantes, isto e, de que
passaram a se submeter ao regime de concessão de serviço publico, onde o poder
fiscalizador é limitado, apenas, aos atos notariais, jamais a gestão interna da entidade que a
exerce em regime absolutamente privado, por ter deixado de ser uma serventia pública da
justiça. h) não importa, com as minhas homenagens ao patrono dos impetrantes, em face
do profundo trabalho jurídico desenvolvido, não só na petição inicial, como na do recurso, a
interpretação que os impetrantes assentaram a respeito do texto constitucional em
discussão. i) o fato, por si só, de no art. 235, "caput", da CF, estar inserida a expressão de
que os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, não conduz ao
entendimento posto no recurso, pois, logo a seguir, está a determinação nuclear de que tais
serviços, por continuarem a ser públicos, necessitam de delegação do poder publico para
quem vai exercê-los, pelo que deverão executá-los de acordo como a lei determinar e só
poderão receber tal delegação os que forem, pelo próprio poder publico, julgados aptos pela
via do concurso publico. j) a natureza pública dos serviços notariais e de registro não sofreu
qualquer desconfiguração com a CF/1988. em razão de tais serviços estarem situados em
tal patamar, isto e, como públicos, a eles são aplicados o entendimento de que cabe ao
estado o poder indeclinável de regulamentá-los e controlá-los exigindo sempre sua
atualização e eficiência, de par com o exato cumprimento das condições impostas para sua
prestação ao publico. 5. nego provimento ao recurso.324
Como se depreende da leitura da ementa, os serviços notariais e de registro,
guardadas algumas divergências doutrinárias,325 apesar do modo peculiar como são
organizados, que é justamente o fator que os aproxima dos serviços de praticagem,
são considerados, nos termos literalmente utilizados no próprio acórdão, “serviços
púbicos delegados” e os seus delegatários não são “agentes puramente privados,
sem subordinação a controles de fiscalização e responsabilidades”.326 A
324 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº
7730/RS. Relator Min. José Delgado. Julgado em 01.09.1997, publicado em 26.10.1997.
325 Ao expor as divergências doutrinárias a respeito da decisão hora comentada, Dinorá Adelaide
Musetti Grotti, transcreve a posição de Fernando Herren Aguillar, que: “sustenta que tais
atividades não podem ser consideradas funções do Estado, visto que há uma expressa renúncia
estatal ao seu exercício, e não podem ser consideradas serviços públicos, cujo titular em
princípio é o Estado, por serem obrigatoriamente desempenhadas em caráter privado. Ademais,
acrescenta, não seria possível classificá-las como atividades econômicas em sentido estrito, por
não serem livres a qualquer particular. O ingresso nessas atividades depende de concurso
público de provas e títulos, fugindo cabalmente das características conhecidas de atividade
econômica em sentido estrito. Assim, conclui o autor que a prestação desses serviços está
sujeita a um regime jurídico particular, não se encaixando em nenhuma das classificações
formuladas. AGUILLAR, Fernando Herren. Controle social de serviços públicos. São Paulo: Max
Limonad, 1999. p. 154-155. Apud: GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O Serviço Público... Op.
Cit.. p. 112.
326 Vale ressaltar que, em nítida contraposição ao emblemático acordão do STJ, na visão de Celso
Antônio Bandeira de Mello, os serviços notariais, distinguem-se de meros concessionários ou
permissionários de serviços públicos em virtude do fato de a atividade desempenhada não ser
material, mas sim, jurídica. Segundo o autor “(…) delegados de função ou ofício público, que se
distinguem de concessionários e permissionários em que a atividade que desempenham não é
material, como a daqueles, mas é jurídica. É, pois, o caso dos titulares de serventias da Justiça
não oficializadas, como notários e registradores, ex vi do art. 236 da Constituição, e, bem assim,
outros sujeitos que praticam, com o reconhecimento do Poder Público, certos atos dotados
122
interpretação da corte a respeito do regime jurídico dos serviços notariais e de
registro, em que pese a já aludida diferença material, por guardar muitas
semelhanças formais e operacionais com os serviços de praticagem, principalmente
pelo fato de estes últimos estarem subordinados tão intensamente aos ditames
impostos pelo “delegatário” quanto os primeiros, é utilíssima para a compreensão do
regime jurídico aplicável especificamente aos serviços de praticagem.
Em síntese, é possível afirmar que o serviço de praticagem, assim como os
serviços notariais e de registro, utilizados como paradigma, submete-se,
preponderantemente, ao regime jurídico de direito público, em detrimento do regime
jurídico de direito privado, cuja aplicabilidade é nitidamente subsidiária."
LEIA MAIS EM "http://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/42413/97.pdf?sequence=1&isAllowed=y"