segunda-feira, 16 de maio de 2016

" O serviço de praticagem, assim como os serviços notariais e de registro, utilizados como paradigma, submete-se, preponderantemente, ao regime jurídico de direito público, em detrimento do regime jurídico de direito privado, cuja aplicabilidade é nitidamente subsidiária."

" Do critério formal O serviço de praticagem está subordinado a um regime jurídico híbrido sui generis. Trata-se, a princípio, de atividade desempenhada em regime jurídico de direito privado altamente relativizado pela obrigatória subordinação a um elevadíssimo grau de regulamentação e controle estatal, motivado pelo fato de a atividade ser considerada “essencial” pela Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário, em virtude de destinar-se à proteção de amplo rol de bens jurídicos citados anteriormente, quando do estudo do critério material. Cabe averiguar, entretanto, se há prevalência ente um destes dois regimes, ou seja, se de fato procede a afirmação tecida no início deste raciocínio, a respeito de um regime jurídico de direito privado sujeito à intensa regulamentação estatal, ou se a intensidade deste controle é capaz de subverter a ordem dos fatores, possibilitando-se cogitar de um regime jurídico de direito público dotado de algumas flexibilizações pontuais em prol de um regime jurídico de direito privado. A primeira evidência do controle estatal é a restrição de acesso à carreira, garantido apenas aos que lograrem aprovação em processo seletivo,308 realizado em moldes, em muito semelhantes à disciplina dos concursos públicos, que se prestam a regulamentar a contratação de servidores, empregados públicos e membros dos Poderes Judiciários e Ministérios Públicos (federal e estaduais). Além de requisitos “padrão” como nacionalidade, idade mínima e graduação em nível superior, o dos serviços diz respeito, também aos outros critérios qualificadores da noção de serviço público presentes neste capítulo, a saber, critério formal, pois denota a evidente peculiaridade do regime jurídico a que estão submetidos os serviços de praticagem, que em muito se distancia do regime jurídico de direito privado puro; e também no que diz respeito ao critério subjetivo, uma vez que a retirada da autonomia do prático quanto à possibilidade de escolher seus clientes, mesmo em situação que já possua dívidas não quitadas, evidencia, como se pretende comprovar em tópico seguinte, que a titularidade dos serviços pertence ao estado, e não aos Práticos, meros delegatários. 308 O primeiro ponto digno de nota é a denominação recebida pelo certame, que não se trata de concurso público, mas sim de mero processo seletivo, demonstrando que, ao menos formalmente, não se pretende conferir à praticagem tratamento similar ao dos serviços públicos. 112 processo seletivo exige do candidato a prévia qualificação como aquaviário profissional ou amador, em níveis específicos.309 Após a aprovação no processo seletivo, tendo recebido a Habilitação de Praticante e Prático, o candidato deve se submeter a longo período de treinamento, estabelecido pela Capitania dos Portos com jurisdição sobre a Zona de Praticagem, com duração mínima de 12 e máxima de 15 meses, para que finalmente possa prestar o exame de habilitação para prático perante banca composta pelo Capitão dos Portos, por um prático da respectiva ZP e por um Comandante de Longo Curso da Marinha Mercante, que poderá ser substituído por um Oficial Superior, da ativa ou da reserva remunerada, do Quadro de Oficiais da Armada da Marinha do Brasil. Aspecto revelador do regime jurídico a que se submete o serviço de praticagem diz respeito às consequências geradas pela combinação do parágrafo 2º do artigo 13 e do artigo 14 caput e parágrafo único, inciso I, da Lei 9537/97, que determinam respectivamente que “A manutenção da habilitação do prático depende do cumprimento da frequência mínima de manobras estabelecida pela autoridade marítima”, que “o serviço de praticagem, considerado atividade essencial, deve estar permanentemente disponível nas zonas de praticagem estabelecidas” e que “Para assegurar o disposto no caput deste artigo, a autoridade marítima poderá: I - estabelecer o número de práticos necessário para cada zona de praticagem”.310 Com o objetivo de operacionalizar estes parâmetros impostos pela lei, e ainda em consonância com as recomendações da International Maritime Pilots' Association, a NORMAM-12 determina, em seu item 0226, implementação para cada uma das Zonas de Praticagem, de escala de rodízio única de serviço de prático.311 309 De acordo com o item 0212 da NORMAM-12, para poder concorrer no certame, o candidato deve: “Ser aquaviário da seção de convés ou de máquinas e de nível igual ou superior a 4 (quatro), Prático ou Praticante de Prático até data estabelecida no Edital; ou pertencer ao Grupo de Amadores, no mínimo na categoria de Mestre-Amador, até a data de encerramento das inscrições, inclusive conforme a correspondência com as categorias profissionais estabelecida nas “Normas da Autoridade Marítima para Amadores, Embarcações de Esporte e/ou Recreio e para Cadastramento e Funcionamento das Marinas, Clubes e Entidades Desportivas Náuticas (NORMAM-03/DPC)”. Tal requisito garante, por si só, que o candidato possua um razoável grau de familiaridade com atividades correlatas à navegação marítima,. 310 Estes parâmetros obedecem a princípios básicos elencados pela International Maritime Pilots' Association como recomendáveis a qualquer regime regulatório de serviços de praticagem. Disponível em: . Acesso em 25/07/2015. 311 Normas da Autoridade Marítima para o Serviço de Praticagem – NORMAM-12/DPC: “0226 - ESCALA DE RODÍZIO ÚNICA DE SERVIÇO DE PRÁTICO a) É estabelecida especificamente para cada ZP e inclui todos os Práticos habilitados e aptos em atividade na ZP, independentemente da sua forma de atuação, por meio da qual os Práticos são divididos, obrigatoriamente, entre os seguintes grupos: 1) Práticos em Período de Escala; 2) Práticos em Período de Repouso; e 3) Práticos em Período de Férias. b) Essa escala visa garantir a disponibilidade ininterrupta do Serviço de Praticagem e evitar a fadiga do Prático na execução 113 A Conjunção destes fatores supracitados, que tem o objetivo primordial de incrementar a segurança das operações portuárias através de metodologia que permita o exercício constante e igualitário das habilidades de cada um dos Práticos lotados numa determinada Zona de Praticagem, sem que precisem se preocupar com questões de cunho meramente negocial, acaba por gerar uma espécie de monopólio jurídico, impeditivo da implementação de um mercado concorrencial, uma vez que a contratação dos serviços é obrigatória e não há possibilidade de escolha, por parte do contratante, do profissional que lhe prestará serviço, em virtude da incontornável necessidade de obediência à escala elaborada pela Autoridade Marítima.312 O aspecto monopolístico dos serviços de praticagem sempre foi fonte de polêmica, tando no Brasil quanto no restante do mundo, notadamente deflagrada por grandes empresas de frete marítimo e armadores, uma vez que existe a tendência destes players preocuparem-se predominantemente com o incremento de sua margem de lucro em detrimento de questões referentes à soberania e à preservação econômica e ambiental das nações onde operam.313 das fainas de praticagem. Adicionalmente, contribui para a manutenção da habilitação do Prático. c) Período de Escala é o número de horas ou de dias consecutivos durante os quais o Prático está à disposição para ser requisitado a realizar fainas de praticagem. Esse período é subdividido em Período de Serviço e Período de Sobreaviso. 1) Período de Serviço é aquele, dentro do Período de Escala, durante o qual o Prático está efetivamente em faina de praticagem. A faina de praticagem começa a ser contada, em termos de tempo, a partir do início do deslocamento da embarcação com o Prático a bordo. O tempo de espera do Prático a bordo, por qualquer motivo, desde que devidamente acomodado, será considerado sobreaviso (Prático à disposição do Armador, a bordo). 2) Período de Sobreaviso é aquele, dentro do Período de Escala, durante o qual o Prático não está atuando efetivamente em fainas de praticagem, porém está à disposição para ser requisitado. Na faina de praticagem de longa duração, o período de descanso do Prático, por motivo de revezamento, também é considerado Período de Sobreaviso. d) Período de Repouso é o período de tempo ininterrupto, que antecede ou sucede a um Período de Escala, durante o qual o Prático não está disponível para ser requisitado a realizar faina de praticagem, a não ser em caso de emergência ou na situação em que há risco para a vida humana. e) Período de Férias é o período, nunca inferior a trinta dias em cada ano, dos quais pelo menos quinze dias consecutivos, durante o qual o Prático não está disponível para ser requisitado a realizar faina de praticagem em quaisquer circunstâncias”. 312 Estudo realizado pela Danish Maritime Pilots Association, com o objetivo de determinar possibilidades de mudança no cenário de praticagem do Mar Báltico, uma das regiões de tráfego marítimo mais intenso do mundo, chegou à conclusão, após analisar a experiência internacional com a implementação de livre concorrência nos serviços de praticagem de diversas nações, que a desregulamentação e implementação de mercados concorrenciais nos serviços de praticagem, via de regra, mostrou-se diretamente atrelada a um incremento no número de acidentes portuários graves. Disponível em: . Acesso em 24/07/2015. 313 Em 2005, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE reconheceu, em parecer decorrente de Processo Administrativo para apuração de possível prática, pela Associação dos Práticos do Estado do Paraná – APEP, de infrações à ordem econômica, consistentes em limitar, falsear ou de qualquer forma, prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa, aumentar arbitrariamente os lucros e exercer de forma abusiva posição dominante, que as peculiaridades inerentes ao regime jurídico ao qual o serviço de praticagem esta submetido, inviabiliza a 114 Importante ressaltar que não é a formação do monopólio da praticagem que conduz ao incremento da segurança nas atividades portuárias. Este, na verdade, é um inevitável efeito colateral da política implementada pela Autoridade Portuária, em consonância com os preceitos ditados pela International Maritime Organization e a International Maritime Pilots' Association. Ocorre que a rígida imposição de limite quantitativo de profissionais habilitados a trabalhar numa determinada área portuária,314 aliada à necessidade de estrita obediência à escala de rodízio implementada pela Autoridade Marítima, tem o objetivo de permitir o acesso igualitário dos Práticos às “fainas de praticagem”, ao longo de todo o ano, garantindo o seu constante exercício, contato com a dinâmica geográfica local e, por consequência, permitindo uma otimização da capacidade destes profissionais no gerenciamento dos riscos que, em sua atividade de assessoria, se destinam e amenizar. Esta formação artificial de um monopólio que, por suas peculiaridades, inviabiliza a sujeição das atividades de praticagem às “regras de mercado”, talvez seja o elemento mais marcante do setor, e acaba por mitigar fortemente uma das poucas características que poderiam levar à suposição de submissão das atividades ao regime jurídico de direito privado, representada pela possibilidade de livre caracterização da atuação monopolística das empresas de praticagem como infracional à ordem econômica. Segundo o Parecer: “Mediante a análise dos autos, observa-se que as condutas imputadas a Representada possuem como causas diretas a autorização legislativa do ente regulador do mercado em análise, o que por si só, relativiza de sobremaneira a possibilidade de tipicidade e consequente subsunção dos atos praticados à fattispecie punível da Lei Antitruste, ficando caracterizado o estrito cumprimento do dever legal”. BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE. Processo Administrativo nº 08012.006144/1999-19. Parecer CADE nº 485/2005. Nancy de Abreu. Procuradora Federal do CADE. 314 A limitação imposta pela Autoridade Marítima diz respeito à quantidade de profissionais habilitados, e não à quantidade de possíveis associações formadas por estes Práticos, desde que respeitado o quantitativo máximo de Práticos por Zona de Praticagem, estipulado com base no histórico de movimentação daquela ZP, do tempo necessário para a realização das manobras e, evidentemente, levando em consideração a quantidade de profissionais atuando a cada turno, a fim de garantir a continuidade de prestação dos serviços. Ainda no que diz respeito à quantidade de associações, a experiência prática demonstra que, via de regra, à exceção de Zonas de Praticagem com um número expressivo de Práticos lotados, como é o caso da ZP-1, que em virtude de peculiaridades locais (navegação em trecho extenso do rio Amazonas onde o prático pode permanecer por mais de três dias embarcado) possui um número desproporcionalmente maior de vagas do que as demais, os Práticos organizam-se em apenas uma ou duas associações, a fim de garantir uma economia de escala no que diz respeito à manutenção da estrutura de apoio (atalaia) e das embarcações que utilizam para o desempenho de suas atividades (lanças de prático). Nada impede, contudo, que o prático opte por tramalhar de forma completamente autônoma, porém, esta possibilidade resta praticamente inviabilizada em vista dos expressivos custos operacionais necessários para o desenvolvimento dos serviços. Uma terceira hipótese, representada pela permissão de contratação do prático por empresa especializada, também se mostra inviabilizada, desta vez, pela “cultura” do setor onde, via de regra, os profissionais que concluem com sucesso o programa de Praticante de Prático e logram êxito na habilitação para Prático, são convidados a se associar às associações preexistentes. 115 organização e atuação dentro dos limites legais, bem como da formação de preços capazes de aliar o custeio das atividades à competitividade mercadológica. Ocorre que, como não há concorrência entre os prestadores dos serviços e a demanda é altamente inelástica, uma vez que são obrigados por lei à contratação dos serviços dentro do estrito mercado disponível, os tomadores, querendo atracar em portos brasileiros, devem se sujeitar aos preços impostos pelos Práticos, acusados, muitas vezes, de cobrarem preços exorbitantes, valendo-se de sua “posição privilegiada”.315 Ressalte-se que, prevendo os reflexos mercadológicos do peculiar regime jurídico imposto aos serviços de praticagem, a Lei 9.537/97, em seu artigo 14 determina que: “O serviço de praticagem, considerado atividade essencial, deve estar permanentemente disponível nas zonas de praticagem estabelecidas. Parágrafo único. Para assegurar o disposto no caput deste artigo, a autoridade marítima poderá: (…) II - fixar o preço do serviço em cada zona de praticagem”. Esta possibilidade de controle foi regulamentada pelo item 501 da NORMAM-12, 316 que instituiu mecanismos que, por algum tempo, foram a única forma de controle dos preços cobrados. A Autoridade Marítima, no exercício destas atribuições, atua como mediadora em processos de fixação de preços nos quais as partes (Práticos e armadores) não tivessem chegado a um consenso.317 315 A respeito dos custos cobrados pelo serviço de praticagem brasileiro, estudo da Fundação Getúlio Vargas aponta para o fato de que, via de regra, os valores nacionais mostram-se similares aos de praticamente todos as grandes economias ocidentais. Para obter informações técnicas a respeito dos valores cobrados pelo serviço de praticagem, a leitura do relatório elaborado pela FGV é altamente recomendável, ainda que tenha sido elaborado com base em estudo encomendado pelos representantes da praticagem de Santos-SP, característica que presume-se irrelevante, em virtude da credibilidade da instituição de pesquisa. Fundação Getúlio Vargas. Análise da Competitividade Internacionals dos Valores Cobrados pelos Serviços de Praticagem no Porto de Santos. FGV, Rio de Janeiro, 2009. Disponível em: . Acesso em 20 de março de 2015. 316 A respeito do controle de preços, a NORMAM-12 determina que: “a) Para assegurar a permanente disponibilidade do Serviço de Praticagem, que é uma atividade essencial, a DPC poderá fixar os preços dos Serviços nos casos em que não houver acordo entre tomador e prestador. b) Para a fixação dos preços, o DPC instituirá uma Comissão para elaborar o estudo para cada caso específico. c) Durante o desenvolvimento do trabalho, a Comissão buscará sempre um acordo entre as partes. Não obtido, instruirá o processo administrativo interno, não contencioso e, ao final, emitirá um relatório circunstanciado que deverá conter as sugestões dos preços a serem fixados, para decisão final do DPC. d) Os preços fixados pelo DPC terão caráter temporário, não se aplicando aos acordos em vigor ou que venham a ser estabelecidos. Não se pretende substituir as partes no estabelecimento dos preços a serem praticados, mas tão somente garantir a prestação ininterrupta do Serviço de Praticagem, devendo as partes buscarem um acordo quanto aos preços considerados satisfatórios para ambas. e) O DPC poderá, ainda, instituir uma Comissão para discussão dos assuntos afetos aos preços dos Serviços de Praticagem, buscando o aperfeiçoamento da sistemática empregada na fixação desses preços, sempre com vistas a garantir a segurança da navegação. Para esta Comissão, a critério do DPC, poderão ser convidados representantes de setores envolvidos”. 317 A síntese da atuação da Autoridade Marítima em processos de fixação de preços pode encontrase disponível em: 116 Em 2012, cedendo às pressões das grandes empresas de transporte marítimo, sob o argumento de que os supostamente exorbitantes valores cobrados pela praticagem brasileira interferiam no chamado “custo Brasil”,318 podendo levar a impactos negativos para a economia nacional, o Governo Federal criou, através do Decreto nº 7.860/2012, a Comissão Nacional para Assuntos da Praticagem - CNAP, representado pela Autoridade Marítima (que a preside), Secretaria de Portos da Presidência da República (SEP-PR), Ministério da Fazenda, Ministério dos Transportes e Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ). Os objetivos da CNAP, segundo se depreende da dicção do seu decreto instituidor são: “(...) estabelecer: I - metodologia de regulação de preços do serviço de praticagem;319 II - preços máximos do serviço de praticagem em cada Zona de Praticagem; III - medidas para o aperfeiçoamento da regulação do serviço de praticagem em cada Zona de Praticagem; e IV - abrangência de cada Zona de Praticagem”. A Criação da CNAP, contudo, não retira a competência da Autoridade Marítima para a fixação de preços em caso nos casos nos quais não haja consenso entre as partes, conforme o art. 14 da Lei de Segurança do Tráfego Nacional, servindo apenas como instrumento para subsidiar a sua atuação,320 ainda que mediante a mitigação de sua . Acesso em 24/07/2015. Depreende-se dos dados disponibilizados pela Diretoria de Portos e Costas, que o último processo em que a Autoridade Marítima efetivamente agiu impositivamente na fixação dos preços foi em 2011, resultando na Portaria 237/DPC/2011, disponível em: . Acesso em 24/07/2015, onde foram fixados arbitrariamente os preços a serem cobrados pela Praticagem S/S LTDA. à Petróleo Brasileiro S.S. LTDA, para manobras realizadas na ZP-16 (Santos e São Sebastião). 318 Sobre a pressão dos armadores internacionais por uma desregulamentação tendenciosa dos serviços de praticagem, recomenda-se a leitura do artigo “Omissões de portos, THC e praticagem: Somos bobos?”, publicado no site “Usuários dos Portos do Rio de Janeiro”. Disponível em: . Acesso em 11/07/2015. 319 A metodologia de regulação proposta pela Comissão Nacional para assuntos de Praticagem encontra-se disponível em: . Acesso em 28/07/2015. 320 A legalidade da atuação subsidiária da Comissão Nacional para Assuntos de Praticagem é reconhecida pelo Judiciário Federal, como se depreende da decisão em Apelação Civel na qual questionava-se esta legitimidade: “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DECISÃO MONOCRÁTICA DO RELATOR. AGRAVO INTERNO. PRATICAGEM. REAJUSTE DE PREÇOS. ESTUDOS DA COMISSÃO NACIONAL PARA ASSUNTOS DE PRATICAGEM. MANUTENÇÃO DOS PREÇOS ANTERIORES. INEXISTÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO DIREITO LÍQUIDO E CERTO E DA ILEGALIDADE DO ATO APONTADO COMO COATOR. I- No caso vertente, a Impetrante não demonstrou a existência de direito líquido e certo a ser amparado pelo Poder Judiciário, não demonstrando, tampouco, a ilegalidade ou abuso de poder do ato administrativo atacado. II- Com efeito, a Lei nº 9.537/1997, em seu artigo 14, Parágrafo Único, inciso II, dispõe que a autoridade marítima poderá fixar o preço do serviço de praticagem, devendo ser compreendida, a expressão "poderá" como um dever da Administração de assegurar a obrigatoriedade da prestação dos serviços de praticagem, justamente em casos como o dos autos, em que não haja acordo entre as partes 117 autonomia.321 Independentemente da interpretação judicial a respeito da legitimidade da Comissão Nacional para Assuntos de Praticagem no que diz respeito à imposição de preços máximos, a simples e inequívoca atribuição da Autoridade marítima no sentido de decidir, de forma arbitral, os casos em que não haja consenso entre os contratantes a respeito dos preços, demonstra, novamente, a peculiaridade do setor e o inevitável afastamento da aplicabilidade do regime jurídico de direito privado às envolvidas na negociação, tendo em vista a essencialidade do referido serviço. III- O ato apontado como coator apenas cuidou de esclarecer que, até a conclusão dos estudos da Comissão Nacional para Assuntos de Praticagem, instituída exatamente para amparar tecnicamente as decisões a serem tomadas pela Autoridade Marítima, não haveria como promover o reajuste requerido, não se verificando, aí, qualquer ilegalidade. IV- Não há qualquer prova nos autos que infirme a manifestação da aludida Comissão pela manutenção dos preços fixados anteriormente, mormente se considerarmos que referidos estudos, ao que tudo indica, foram recentemente concluídos, tendo sido aprovada nova metodologia de regulação de preços do serviço de praticagem, através da Resolução nº 3, de 23 de setembro de 2013 (DOU de 25/09/2013, nº 186, Seção 1, pág. 62). V- Também não há nos autos prova pré-constituída de que a negativa do reajuste pleiteado pela Impetrante venha, efetivamente, comprometendo a sua adequada remuneração pelo serviço prestado. VI- Não pode o Poder Judiciário substituir a Administração Pública para determinar a adoção de determinada sistemática de atualização de preços do serviço de praticagem, área estratégica para a economia do país, posto que intimamente ligada ao transporte marítimo nacional e internacional, quando a própria Administração entende que, para tanto, são necessários estudos complexos para aferir-se a melhor metodologia de regulação de tais preços, através de uma Comissão especialmente constituída para este fim. VII- Em que pese a relevância dos argumentos da recorrente, a comprovação de suas alegações quanto à existência do direito vindicado e quanto à ilegalidade do ato apontado como coator não prescinde de dilação probatória e esta é incompatível com a estreita via do mandamus. VIII- Agravo Interno improvido”. BRASIL. Tribunal Regional Federal – Segunda Região. Apelação Civel 612203. Relator Desembargador Federal Reis Friede. Julgado em 05.02.2014, publicado em 18.02.2014. 321 Em contraposição a este entendimento, diversas associações de práticos insurgiram-se contra a atuação da CNAP, no sentido de estipular preços máximos a serem cobrados pelos serviços, sendo bem sucedidas em diversos de seus pleitos, a exemplo do Mandado de Segurança impetrado pelo Sindicado dos Práticos do Estado do Paraná, cuja decisão, apensar de longa, merece citação ampla, uma vez que representa o teor de muitas das decisões judiciais que, até o presente momento, inviabilizaram a aplicabilidade da tentativa de imposição de regulamentação mercadológica para o setor: “SINDICATO DOS PRÁTICOS DOS PORTOS E TERMINAIS MARÍTIMOS DO ESTADO DO PARANÁ impetra mandado de segurança preventivo, com pedido de liminar, contra ato a ser praticado pelo DIRETOR DE PORTOS E COSTAS DA MARINHA DO BRASIL, consistente no tabelamento de preços dos serviços de praticagem. Como causa de pedir, alega que esse tabelamento é iminente e que violaria direito líquido e certo de convencionarem livremente os preços junto aos armadores de navios, violando os princípios constitucionais da livre iniciativa e da reserva de lei. Aduz que o serviço de praticagem, na forma da Lei nº 9.537/1997, é atividade essencial, executada por práticos devidamente habilitados, e que “é assegurado a todo prático, na forma prevista no caput deste artigo, o livre exercício do serviço de praticagem” (§3º, art. 13, Lei nº 9.537/1997). Em decorrência da essencialidade, afirma que a lei confere à autoridade marítima a prerrogativa de fixar preços, mas apenas com a finalidade de assegurar a disponibilidade permanente do serviço, se e na medida em que esta disponibilidade estiver em risco (art. 14, Lei nº 9.537/1997). Relata que, apesar de o Decreto nº 2.596/1998 regular satisfatoriamente a matéria, o Decreto 7.860/2012 alterou substancialmente sua disciplina, criando a Comissão Nacional para Assuntos de Praticagem que, entre suas atribuições, deveria propor “preços máximos do serviço de praticagem em cada Zona de Praticagem” (art. 1º, II, Decreto nº 2.596/1998) – o que violaria o princípio da reserva de lei, uma vez que esta só autoriza a fixação de preços com o fito 118 atividades referentes à praticagem, uma vez que, mediante o impasse gerado pela obrigatoriedade de contratação dos serviços, que são inevitavelmente fornecidos sob a aforma de monopólio, a Autoridade Marítima atua como verdadeira representante estatal, de forma muito similar às agências reguladoras, apesar de formalmente, evidentemente, não haver nenhuma possibilidade de classificá-la como tal.322 Uma vez esgotada a discussão a respeito das polêmicas questões referentes específico de assegurar a permanência da prestação do serviço de praticagem. Nesse contexto, afirma que as atividades da referida Comissão tiveram início nos primeiros meses de 2014, seguindo-se uma série de atos tendentes à fixação de preços máximos do serviço de praticagem, fixação essa que esta ação mandamental visa prevenir. Inicial às fls. 1/22, acompanhada dos documentos às fls. 23/297. Custas recolhidas às fls. 24. Petição e documentos do Impetrante às fls. 302/309. É o relato do necessário. Insurge-se preventivamente a associação impetrante contra a possibilidade de a Comissão Nacional para Assuntos de Praticagem, no exercício do que dispõe o art. 1º, II, do Decreto 7860/2012, fixar “preços máximos do serviço de praticagem em cada zona de praticagem”, ao fundamento de que o decreto exacerba seu poder regulamentar da Lei 9537/1997. Conforme o art. 7º, III, da Lei 12016/2009, havendo fundamento relevante e justo receio de ineficácia da medida final, o juiz pode determinar a suspensão do ato que deu motivo ao pedido mandamental. Entendo ser este o caso tratado nos presentes autos. A Lei 9537/1997, em seu art. 14, dispõe ser o serviço de praticagem considerado atividade essencial, e seu parágrafo único admite que, para assegurar o disposto no caput do artigo, ou seja, a condição essencial do serviço de praticagem e sua presença permanentemente disponível nas zonas estabelecidas, a autoridade marítima pode “fixar o preço do serviço em cada zona de praticagem” (art. 14, p.u., II). Por sua vez, o Decreto 7860/2012 prevê, dentre as atribuições da comissão nacional que cria, a fixação de preços máximos para cada zona de praticagem. Verifica-se que a norma trazida pelo decreto não reproduz a exceção prevista na lei que rege a matéria, alargando autonomamente uma restrição a atividade econômica desenvolvida pelos práticos. Vale dizer, se a lei admite a restrição aos preços com fixação de patamares máximos, o faz para garantir a continuidade de uma atividade considerada essencial, ao passo que o decreto não prevê a possibilidade de tabelamento de preços adstrita a esta hipótese. Via de regra, a lei deveria prever genericamente hipóteses de restrição e o seu decreto regulamentar especificamente cada caso. Mas aqui é o contrário que ocorre: a lei é específica quando trata da restrição ao livre ajustamento de preços, e o decreto é genérico ao permitir a fixação de preços máximos. Se a todo prático é assegurado o livre exercício do serviço de praticagem (Lei 9537/1997, art. 13, §3º), apenas nos expressos casos legalmente previstos é que poderá incidir uma restrição sobre a liberdade de negociação entre particulares. Embora seja público e notório que a remuneração por este tipo de serviço alcança valores elevadíssimos, a imposição de limites demanda prévio debate público e exige, por força do princípio da legalidade, o veículo específico para tanto, ou seja, deve ser prevista em lei, e não numa previsão genérica contida em ato editado unilateralmente pelo Poder Executivo. O risco de ineficácia da medida também resta evidenciado na medida em que a imediata imposição do tabelamento dos preços de praticagem teria efeitos desde logo, impedindo que, na hipótese de procedência do pedido com concessão da segurança, os associados da impetrante obtivessem a complementação dos preços livremente praticados e eventualmente glosados por força de tabela de preços máximos. Pelo exposto, ao menos neste primeiro momento, entendo presentes os requisitos para a concessão da liminar. Assim sendo, nos termos da fundamentação acima, DEFIRO A LIMINAR para determinar que a autoridade impetrada se abstenha de impor limites máximos aos preços da praticagem prestados pelos associados da impetrante, ressalvando as hipóteses legalmente estabelecidas na Lei 9537/1997, conforme motivado linhas acima. BRASIL. Justiça Federal – Seção Judiciária do Estado do rio de Janeiro. Mandado de Segurança nos autos nº 0000646-50.2014.4.02.5101. Juiz Federal da 1ª VF Raffaele Felice Pirro. Julgado em 03.02.2014, publicado em 15.02.2014. 322 Neste ponto, é importante ressaltar que a atividade de praticagem, conforme visto à exaustão em todos os tópicos anteriores, subordina-se à Autoridade Marítima. Entretanto, é imprescindível 119 ao processo seletivo e à regulamentação da precificação dos serviços de praticagem, temas que tem atraído a atenção da mídia e tem sido os assuntos passíveis de maior judicialização nos últimos anos, cabe verificar os critérios remanescentes, reveladores do regime jurídico ao qual se submete o setor. Além de todo o exposto anteriormente, cabe ressaltar que toda a NORMAM- 12, principalmente no que diz respeito aos estritos parâmetros que devem ser obedecidos para a manutenção da habilitação e às hipóteses de controle disciplinar administrativo, efetuados pelo representante da Autoridade Marítima, evidencia a aplicabilidade de um regime jurídico de direito público, em detrimento do privado, relegado a posição subsidiária. Estes aspectos serão vistos com mais vagar no tópico seguinte quando, através da tentativa de determinar a titularidade material do serviço de praticagem, servirão de parâmetro de aferição. Em síntese, no que diz respeito ao regime jurídico ao qual estão submetidos os serviços de praticagem, as evidências parecem demonstrar que não se trata de atividade realizada sob regime jurídico de direito privado mediante a imposição de rígido controle administrativo, mas sim o inverso, representado por uma peculiar sujeição ao regime jurídico de direito público, mitigada por “pitadas” de direito privado, de legitimidade, muitas vezes, questionável. O estudo do regime jurídico dos serviços de praticagem desperta perplexidade devido ao fato de representar caso sui generis, a respeito do qual pairam muitas dúvidas, agravadas pela inexistência de um consenso das três esferas de governo sobre a forma peculiar com que o serviço de praticagem se insere no ordenamento jurídico brasileiro. A fim de contribuir para a elucidação das dúvidas quanto ao regime jurídico aplicável ao serviço de praticagem, é útil um estudo, ainda que superficialíssimo, de um dos poucos setores que, apesar de materialmente não guardar qualquer relação esclarecer que cabe à Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ, autorizar a operação das empresas ou sociedades de praticagem, ou mesmo dos práticos autônomos (caso hipotético conforme dito anteriormente), classificados como “empresas brasileiras de navegação de apoio portuário e marítimo”. Ressalte-se que a “autorização” emitida pela ANTAQ, evidentemente trata-se de mero ato de polícia administrativa, e não de delegação de serviço público, uma vez que autorizações do mesmo tipo são emitidas para empresas de rebocadores, que são classificadas como “de apoio à praticagem” e quaisquer outras empresas de navegação regularmente constituídas e que atuem no transporte aquaviário. Apenas a título de exemplo, ver modelo de resolução da ANTAQ que autoriza a atuação de empresa de praticagem, disponível em: . Acesso em 24.07.2015. Ainda a respeito da ANTAQ e demais agências reguladoras, recomenda-se fortemente a leitura da obra de Marçal Justen Filho, apesar da mitigação de sua aplicabilidade no que diz respeito ao serviço de praticagem. JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002. 120 com o objeto deste trabalho, possui peculiaridades que os aproxima formalmente. Trata-se dos serviços notariais e de registro que, apesar de serem atividades jurídicas, e não materiais,323 possuem regime jurídico que guarda algumas semelhanças com o da praticagem, e que já recebeu mais atenção, tanto da doutrina quanto da jurisprudência. Sobre o tema, cujo estudo é, conforme dito anteriormente, colateral, porém valiosíssimo para a tentativa de compreensão do regime jurídico aplicável aos serviços de praticagem, entende-se que a emblemática decisão do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 7730, ao trazer, em sua ementa, um consistente estudo legislativo e doutrinário sobre o tema, é suficiente para elucidar o assunto de forma sintética, daí a sua transcrição literal: CONSTITUCIONAL. INTERPRETAÇÃO DO ART. 236, PAR. 1., DA CF, E DA LEI 8.935, DE 18.11.1994, ARTS. 22, 28 E 37. 1. O novo sistema nacional de serviços notariais e registrais imposto pela lei 8.935, de 18.11.1994, com base no art. 236, par. 1., da CF, não outorgou plena autonomia aos servidores dos chamados oficios extrajudiciais em relação ao poder judiciário, pelo que continuam submetidos a ampla fiscalização e controle dos seus serviços pelo referido poder. 2. Os procedimentos notariais e registrais continuam a ser serviços públicos delegados, com fiscalização em todos os aspectos pelo poder judiciário. 3. O texto da carta maior impõe que os serviços notariais e de registro sejam executados em regime de caráter privado, porém, por delegação do poder público, sem que tenha implicado na ampla transformação pretendida pelos impetrantes, isto e, de terem se transmudados em serviços públicos concedidos pela união federal, a serem prestados por agentes puramente privados, sem subordinação a controles de fiscalização e responsabilidades perante o poder judiciário. 4. A razão desse entendimento esta sustentada nos argumentos seguintes: a) vinculo-me a corrente doutrinaria que defende a necessidade de se interpretar qualquer dispositivo constitucional de forma sistêmica, a fim de se evitar a valorização isolada da norma em destaque e, consequentemente, a sua possível incompatibilidade com os princípios regedores do ordenamento jurídico construído sob o comando da carta maior para a entidade ou entidades jurídicas reguladas. b) influenciado por tais posições, o meu primeiro posicionamento e o de fixar o conceito técnico-juridico da expressão "delegação do poder publico", que constitui o tema central do debate, haja vista que é o modo institucional como os serviços notariais e de registro são, hoje, exercidos no pais. c) o conceito de delegação de serviço publico, apos algumas variações, está hoje pacificado como sendo a possibilidade do poder publico conferir a outra pessoa, quer publica ou privada, atribuições que originariamente lhe competem por determinação legal. d) por a autoridade delegante ter a competência originaria, exclusiva ou concorrente, do exercício das atribuições fixadas por lei, no momento em que delega, por para tanto estar autorizado, também, por norma jurídica positiva, estabelece-se uma subordinação entre as pessoas envolvidas no sistema hierárquico entre o transferidor da execução do serviço e quem o vai executar, em outras palavras, entre o delegante e o delegado. e) o dispositivo constitucional em comento, no caso o art. 236, da CF, ao determinar que os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, porém, por delegação do poder publico, não descaracterizou a natureza pública de tais serviços, nem restringiu a forma de sua fiscalização, notadamente porque no par. 1., de forma expressa, esta dito que "lei regulará as atividades, disciplinara a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo poder judiciário. f) a seguir, o legislador constituinte, numa demonstração inequívoca de que não se afastou do conceito tradicional de delegação de serviço publico, 323 GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O serviço Público... Op. Cit.. p. 112. 121 portanto, respeitando, em toda a sua plenitude, o principio da subordinação hierárquica a existir entre delegante e delegado, dispôs, ainda, que "a lei federal estabelecera normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e do registro", bem como que "o ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso publico de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção por mais de seis meses." g) é evidente que a prestação de serviços notariais e de registro publico no Brasil, apos a CF/1988, não tomou as características preconizadas pelos impetrantes, isto e, de que passaram a se submeter ao regime de concessão de serviço publico, onde o poder fiscalizador é limitado, apenas, aos atos notariais, jamais a gestão interna da entidade que a exerce em regime absolutamente privado, por ter deixado de ser uma serventia pública da justiça. h) não importa, com as minhas homenagens ao patrono dos impetrantes, em face do profundo trabalho jurídico desenvolvido, não só na petição inicial, como na do recurso, a interpretação que os impetrantes assentaram a respeito do texto constitucional em discussão. i) o fato, por si só, de no art. 235, "caput", da CF, estar inserida a expressão de que os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, não conduz ao entendimento posto no recurso, pois, logo a seguir, está a determinação nuclear de que tais serviços, por continuarem a ser públicos, necessitam de delegação do poder publico para quem vai exercê-los, pelo que deverão executá-los de acordo como a lei determinar e só poderão receber tal delegação os que forem, pelo próprio poder publico, julgados aptos pela via do concurso publico. j) a natureza pública dos serviços notariais e de registro não sofreu qualquer desconfiguração com a CF/1988. em razão de tais serviços estarem situados em tal patamar, isto e, como públicos, a eles são aplicados o entendimento de que cabe ao estado o poder indeclinável de regulamentá-los e controlá-los exigindo sempre sua atualização e eficiência, de par com o exato cumprimento das condições impostas para sua prestação ao publico. 5. nego provimento ao recurso.324 Como se depreende da leitura da ementa, os serviços notariais e de registro, guardadas algumas divergências doutrinárias,325 apesar do modo peculiar como são organizados, que é justamente o fator que os aproxima dos serviços de praticagem, são considerados, nos termos literalmente utilizados no próprio acórdão, “serviços púbicos delegados” e os seus delegatários não são “agentes puramente privados, sem subordinação a controles de fiscalização e responsabilidades”.326 A 324 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 7730/RS. Relator Min. José Delgado. Julgado em 01.09.1997, publicado em 26.10.1997. 325 Ao expor as divergências doutrinárias a respeito da decisão hora comentada, Dinorá Adelaide Musetti Grotti, transcreve a posição de Fernando Herren Aguillar, que: “sustenta que tais atividades não podem ser consideradas funções do Estado, visto que há uma expressa renúncia estatal ao seu exercício, e não podem ser consideradas serviços públicos, cujo titular em princípio é o Estado, por serem obrigatoriamente desempenhadas em caráter privado. Ademais, acrescenta, não seria possível classificá-las como atividades econômicas em sentido estrito, por não serem livres a qualquer particular. O ingresso nessas atividades depende de concurso público de provas e títulos, fugindo cabalmente das características conhecidas de atividade econômica em sentido estrito. Assim, conclui o autor que a prestação desses serviços está sujeita a um regime jurídico particular, não se encaixando em nenhuma das classificações formuladas. AGUILLAR, Fernando Herren. Controle social de serviços públicos. São Paulo: Max Limonad, 1999. p. 154-155. Apud: GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O Serviço Público... Op. Cit.. p. 112. 326 Vale ressaltar que, em nítida contraposição ao emblemático acordão do STJ, na visão de Celso Antônio Bandeira de Mello, os serviços notariais, distinguem-se de meros concessionários ou permissionários de serviços públicos em virtude do fato de a atividade desempenhada não ser material, mas sim, jurídica. Segundo o autor “(…) delegados de função ou ofício público, que se distinguem de concessionários e permissionários em que a atividade que desempenham não é material, como a daqueles, mas é jurídica. É, pois, o caso dos titulares de serventias da Justiça não oficializadas, como notários e registradores, ex vi do art. 236 da Constituição, e, bem assim, outros sujeitos que praticam, com o reconhecimento do Poder Público, certos atos dotados 122 interpretação da corte a respeito do regime jurídico dos serviços notariais e de registro, em que pese a já aludida diferença material, por guardar muitas semelhanças formais e operacionais com os serviços de praticagem, principalmente pelo fato de estes últimos estarem subordinados tão intensamente aos ditames impostos pelo “delegatário” quanto os primeiros, é utilíssima para a compreensão do regime jurídico aplicável especificamente aos serviços de praticagem. Em síntese, é possível afirmar que o serviço de praticagem, assim como os serviços notariais e de registro, utilizados como paradigma, submete-se, preponderantemente, ao regime jurídico de direito público, em detrimento do regime jurídico de direito privado, cuja aplicabilidade é nitidamente subsidiária."
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A CLASSIFICAÇÃO DO SERVIÇO DE PRATICAGEM COMO PÚBLICO RESPEITA O CRITÉRIO MATERIAL DOS SERVIÇOS PÚBLICOS

"No que diz respeito ao critério material, desde os primórdios de sua existência, a atividade de praticagem consiste em assessoria (utilidade), prestada a todas as embarcações que necessitem acessar águas abrigadas e portos. Sua utilidade é justificada pela necessidade de minimizar os riscos de danos materiais e humanos envolvidos na passagem de grandes embarcações por áreas restritas, que possam oferecer obstáculos traiçoeiros dos quais a tripulação, por não estar familiarizada,301 não tenha capacidade de se desvencilhar. A praticagem, que durante boa parte de sua evolução histórica não era sequer obrigatória na maioria das nações, mesmo representando um custo financeiro complementar, raramente era dispensada pelos comandantes que a viam como um alento e um bom investimento, em vista dos possíveis custos que um acidente, por menor que fosse, poderia gerar. Esta discricionariedade na contratação dos serviços de praticagem evidenciava a noção de que havia um único beneficiário, representado pela figura do proprietário da embarcação ou de seu responsável (comandante ou armador). O serviço destinava-se, desta forma, a proteger o patrimônio privado, representado pela carga transportada, pela embarcação, e também, ainda que secundariamente, pela segurança e preservação das vidas dos tripulantes ou passageiros transportados.302 Entretanto, mesmo em épocas remotas, onde imperava esta noção “egoística” a respeito da segurança naval, já havia uma preocupação do Estado em disponibilizar o serviço de forma regular e contínua, ciente de sua indispensabilidade 301 A questão da familiaridade é relativa, porém, é senso comum entre os habituados à navegação, que as condições em áreas costeiras e, notadamente, em estuários de rios, onde localizam-se grande parte dos portos brasileiros, são afetadas por um grande dinamismo geográfico em virtude, principalmente, das condições climáticas. Sendo assim, em questão de dias, ou mesmo de poucas horas, a depender de eventos atmosféricos, as condições de um determinado porto podem variar radicalmente tornando, o monitoramento constante e o conhecimento prospectivo a respeito dos efeitos destes eventos, a única maneira realmente eficaz de se evitar surpresas. No Brasil, desde a criação da Comissão Nacional Para Assuntos de Praticagem, pelo Decreto 7.860/2012, pairam diversos “boatos” sobre as intenções de mudanças que o Governo Federal Pretenderia implementar com relação aos serviços de praticagem. Um destes boatos diz respeito à possibilidade de comandantes “habituados” a atracar em determinados portos, dispensarem o serviço de praticagem, o que vai de encontro à questão da familiaridade, supracitada, uma vez que não há como estabelecer parâmetros seguros sobre o que poderia ser determinado como uma “habitualidade” capaz de gerar segurança numa manobra de aproximação e atracação. 302 Vale dizer que, mesmo em tempos onde a praticagem não era obrigatória, era praxe das seguradoras marítimas, cuja existência é praticamente tão antiga quanto a da própria navegação, recusarem-se a indenizar os acidentes que tivessem ocorrido em águas abrigadas, sem a presença de um prático a bordo, por interpretarem o fato como uma omissão ou imprudência do responsável pela embarcação, que teria dado causa ao dano. Tal exigência, via de regra, era formalizada nos contratos de seguro marítimo. 108 para a movimentação portuária e de seu consequente valor para a dinâmica da economia. A precoce regulamentação do setor no Brasil que, conforme evidenciado no item 2 do capítulo I deste trabalho,303 ocorreu apenas 6 meses após a chegada da corte portuguesa, e da consequente abertura dos portos, evidencia a ciência, por parte dos governantes, da imprescindibilidade da disponibilização dos serviços aos navegantes que precisavam acessar os portos nacionais e o reflexo da satisfação desta necessidade para a dinamização da economia. Na quadra final do século XX, a consolidação da consciência a respeito da necessidade de preservação ambiental, aliada à ocorrência de tragédias ambientais relacionadas à flexibilização do rigor imposto às atividades portuárias, deflagrou um incremento da percepção governamental com relação à instrumentalidade dos serviços de praticagem para a preservação ambiental, uma vez que, em virtude dos expressivos volumes de combustível (próprio e transportado como carga) e outros produtos potencialmente lesivos, como fertilizantes, transportados pelas embarcações, acidentes ocorridos em manobras de entrada ou saída de portos poderiam causar danos expressivos ao meio ambiente.304 Outro fator que influenciou um recrudescimento governamental, no sentido de tornar a contratação dos serviços compulsória deriva da intensificação das movimentações portuárias e incremento do tamanho das embarcações. Muitos 303 Daí o elevado grau de detalhamento que se pretendeu conferir à evolução da prestação dos serviços de praticagem no Brasil, exposta no item 2 do capítulo I deste trabalho, ao qual, de antemão, remete-se o leitor, sempre que necessário elucidar aspectos históricos tratados de forma sintética neste capítulo. 304 O derramamento de petróleo provocado pelo navio Exxon Valdez em março de 1989, em área próxima ao Alaska, é tido como uma das maiores tragédias ambientais da humanidade e especula-se que o acidente tenha ocorrido devido a uma flexibilização das regras de praticagem locais, visando a economia das empresas de transporte marítimo. Ocorre que, a fim de reduzir o número de horas que o prático permaneceria embarcado nos navios, tanto para a entrada no porto de Valdez, Alaska, quanto para a saída, gerando uma consequente redução dos emolumentos devidos, a área de “praticagem obrigatória” foi delimitada muito aquém do que o realmente necessário. O acidente do Exxon Valdez ocorreu durante uma manobra de saída do porto, quando o navio já se encontrava fora da área de praticagem obrigatória e, portanto, o Prático responsável já havia abandonado o navio e retornado ao continente. A tripulação, subestimando a geografia traiçoeira e as correntes locais, navegava em velocidade acima do limite recomendado para a área e falhou em, após visualizar um farol que servia de parâmetro para correção de rumo, tomar as providências com a celeridade necessária, fazendo com que o navio atingisse uma área re corais, provocando danos ao casco e consequente vazamento do petróleo. Após o acidente, a área de praticagem obrigatória local foi ostensivamente ampliada e, em toda a América do Norte, as regras de praticagem foram recrudescidas. Para mais informações sobre os acidente e as providências posteriores: USA. The National Response Team. The Exxon Valdez Oil Spill – A Reporto to the President. Disponível em: . Acesso em 10/07/2015. Também: Exxon Valdez Oil Spill Trustee Councill. Spill Prevention and Response. Disponível em: http://www.evostc.state.ak.us/index.cfm?FA=facts.response. Acesso em 10/07/2015. 109 portos tornaram-se progressivamente mais movimentados, atingindo níveis em que, mesmo com a totalidade de sua estrutura funcionando em tempo integral, é inevitável a formação de filas de espera para a carga e descarga de mercadorias. Em virtude deste dinamismo, um acidente, além das consequências humanas, patrimoniais e ambientais supracitadas, pode provocar consequências nefastas para a economia do Estado, uma vez que a interdição de um canal de acesso ou de um trecho do porto, ainda que por algumas horas, ou alguns dias (o que é mais comum), tende a desestabilizar, senão paralisar completamente as atividades, provocando um caos logístico com nefastos efeitos econômicos. Com base no exposto acima, é possível afirmar que o serviço de praticagem se presta à satisfação de um amplo rol de necessidades individuais, mas também gerais, coletivas e públicas, na medida em que resguarda: a) o patrimônio pessoal do proprietário da embarcação e da carga transportada; b) as vidas humanas de tripulantes e passageiros;305 c) o meio ambiente, que pode ser profundamente afetado por acidentes que provoquem o vazamento de produtos tóxicos e d) a economia estatal, uma vez que acidentes tendem a inviabilizar setores portuários inteiros e vias de acesso, provocando prejuízos astronômicos em decorrência da desestabilização logística portuária. A análise das premissas supracitadas, em cotejo com as noções teóricas a respeito do instituto jurídico dos serviços públicos permite, admitindo-se, por hipótese, o enquadramento do serviço de praticagem como tal, afirmar que seriam serviços públicos econômicos e, simultaneamente, singulares (uti singuli) e coletivos (uti universi), uma vez que se destinam a satisfazer as necessidades tanto dos tomadores diretos, representados pelos responsáveis pela embarcação, quanto da sociedade como um todo, na medida em que todos se beneficiam da proteção 305 Não se pode olvidar que todos os grandes navios de cruzeiro, assim como os cargueiros, em geral, são obrigados a contratar o prático para assessorar o comandante nas manobras de aproximação, atracação, desatracação e afastamento. O recente e emblemático caso Costa Concórdia bem ilustra os riscos que a navegação imprudente podem trazer para a vida humana. O acidente, que foi causado, provavelmente por uma sequência de pequenos erros operacionais no cálculo da rota da embarcação, ocorreu numa área onde, apesar de obstáculos traiçoeiros, a praticagem não é obrigatória, fazendo com que a imperícia da tripulação para lidar com as peculiaridades locais, aliada à economia equivalente a menos que o valor de uma lata de refrigerante por passageiro, custasse 32 vidas, e poderia ter custado muitíssimas mais, não fosse a atitude do Comandante que, atenuando os resultados de seu erro, tomou a prudente medida de, percebendo a gravidade da colisão, manobrar para posicionar a embarcação sobre o leito de rochas submersas sobre o qual havia colidido, evitando assim que o navio afundasse por completo o que, certamente, provocaria um número muito maior de óbitos. PIMENTA, matusalém Gonçalves. Processo Marítimo – Formalidades e Tramitação. 2. ed. Barueri: Manole, 2013. p. 112-122. 110 ambiental e da estabilização econômica para as quais a prestação dos serviços contribui. Outra linha de raciocínio, entretanto, poderia levar à conclusão de que, no que diz respeito ao aspecto material, hora analisado, o que, no parágrafo anterior foi chamado de serviço público coletivo (uti universi) seria, na verdade, uma função pública, destinada à preservação do próprio Estado e não à satisfação de necessidades concretas de seus habitantes.306 Independentemente da classificação como serviço público ou função pública sugerida pela análise do serviço de praticagem perante o critério material, especificamente no que diz respeito aos bens jurídicos protegidos e necessidades atendidas, há, na NORMAM-12, dispositivo que revela, ainda que de forma reflexa, a noção da imprescindibilidade da praticagem para a salvaguarda do nobilíssimo rol de bens jurídicos cujo Estado, através da figura do prático, se destina a resguardar. Trata-se da alínea “m” do item 0228, que determina que: “Compete ao Prático, no exercício de suas funções (…) Executar as atividades do Serviço de Praticagem, mesmo quando em divergência com a empresa de navegação ou seu representante legal, devendo os questionamentos serem debatidos nos foros competentes, sem qualquer prejuízo para a continuidade do Serviço (grifou-se)”. O dispositivo supracitado revela que a função exercida pelo profissional, em virtude do seu mérito na proteção de valores indisponíveis, supera a noção de simples atividade econômica negocial, uma vez que sua liberdade de negociação é amplamente restringida. Se há amplo debate nos tribunais nacionais a respeito da possibilidade de supressão de serviços considerados públicos, em virtude do não pagamento de suas respectivas taxas, a aplicabilidade do princípio da continuidade ao serviço de praticagem parece operar de forma muito mais rígida que em muitos dos serviços pacificamente considerados como públicos, uma vez que a norma positivada determina a impossibilidade de recusa da prestação por falta de ajuste entre as partes, relegando o debate acerca dos aspectos mercantis para segundo plano.307 306 A respeito da diferença entre as chamadas funções públicas (ou funções de Estado) e os serviços públicos, Dinorá Adelaide Musetti Grotti explica que: “Embora haja entre a função e o serviço público uma nota comum característica – a atividade -, não se pode identificar ou assimilar essas duas importantes categorias jurídicas. Mas a função pública e o serviço público atuam em distintos âmbitos, e nem sempre com iguais destinatários. A noção de função pública é, em seu conteúdo objetivo, mais ampla e geral que a de serviço público”. GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O serviço público....Op. Cit.. p. 110-111. 307 Evidentemente, a disposição normativa a respeito da impossibilidade de recusa da prestação 111 Em resumo, a análise quanto aos bens jurídicos diretamente resguardados pelo serviço de praticagem parece demonstrar, ao menos no que diz respeito ao aspecto material, a possibilidade de enquadrá-lo como serviço público. Entretanto, cabe analisar os demais critérios a fim de verificar se permitem conclusões similares às atingidas através deste raciocínio preliminar."

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AS POLÊMICAS REFERENTES AO SERVIÇO DE PRATICAGEM SÃO DECORRENTES DA INDEFINIÇÃO DE SUA NATUREZA JURÍDICA

Esta é uma conclusão inevitável para quem acompanha o tema. Em mais uma das nossas pesquisas nos deparamos com o excelente trabalho de pesquisa realizado pelo Sr. Rafael Jankovski.
Vejamos:
"O exercício é justificado porque a indeterminação a respeito do correto posicionamento da atividade perante o ordenamento jurídico brasileiro fomenta as polêmicas que pairam sobre o setor, motivadas: a) por pressões das grandes empresas de transporte marítimo, que acusam os práticos de cobrarem valores extorsivos devido ao fato de atuarem em regime monopolístico; b) pela imprensa sensacionalista, que realça a “vilania” dos práticos, através da veiculação de notícias que “sugerem” lucros astronômicos auferidos por ocupantes de sinecuras;296 c) por culpa do Governo Federal, que insiste em manter uma regulamentação setorial anacrônica, similar à utilizada no século XIX e d) pelo comportamento da própria categoria, que não demonstra um posicionamento coerente a respeito de como se percebe perante o ordenamento jurídico brasileiro, hora defendendo a sua posição como “delegatários de função pública”, hora afirmando que não devem se sujeitar a limitações impostas pelo Governo Federal, por atuarem em regime jurídico de direito privado."
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